Sinto falta na grande mídia golpista do Brasil de notícias sobre a decisão tomada na Espanha, nas áreas do Executivo e do Legislativo, de investigar a extensão da cumplicidade do governo de José Maria Aznar com o de George W. Bush, agora nos extertores e conformado em ir para a lata de lixo da história. Para quem não se lembra, vale lembrar quem é aquele personagem que governou a Espanha.
Quando Aznar foi chamado de "fascista" na cúpula iberoamericana de 2007 no Chile, pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, os jornalões brasileiros, em coro, festejaram a frase do reizinho de fancaria, Juan Carlos I - feito monarca por obra e graça do ditador Francisco Franco.
"Por qué no que callas?" - disse ele, ante a insistência do repúdio público de Chávez ao melancólico Aznar.
Na ocasião, o presidente do governo espanhol já era o socialista José Luis Rodríguez Zapatero. Primeiro ele pediu que Chávez respeitasse Aznar por ter sido também, antes, eleito pelos espanhois. Depois, assumiu um silêncio suspeito. Mas hoje há mais dados para entender a situação. Pois o Governo, o Congresso e a Justiça investigam as trapalhadas desastrosas de Aznar.
Mais sobre o fascista Aznar…
A pior foi o pacto secreto Aznar-Bush e a destruição de papéis para ocultá-lo. "Uma das maiores vergonhas de nosso tempo", disse "El País". À frente do governo, Aznar (do Partido Popular, de direita) arrastou a Espanha à aliança com Bush em 2002, antes mesmo da guerra no Iraque. Autorizou o uso do território espanhol para os vôos secretos da CIA entre Afeganistão e Guantánamo, para transporte e tortura de presos.
Posteriormente, ante a falta de aliados (no Conselho de Segurança da ONU) para apoiar a guerra de Bush no Iraque, a Espanha de Aznar ainda veio em seu socorro. E trouxe o então premier de Portugal, José Manuel Durão Barroso - que entrou meio de gaiato, em parte porque a reunião do grupo (Bush, Blair e os dois bobocas ibéricos) foi no arquipélago de Açores, pertencente a Portugal.
No momento em que o mundo recorda os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem é mais do que oportuno lembrar esse papel vergonhoso de Espanha e Portugal na trama. A península ibérica, pela sua localização, era muito conveniente para acobertar os vôos secretos entre prisões também secretas usadas pelos EUA em diferentes países, na obsessão de esconder a iniquidade.
A história desse capítulo sinistro da diplomacia espanhola e portuguesa era protegida pelo sigilo até há pouco. Só começou a ser devassada depois de sucessivas revelações do "El País", de Madri. E na medida em que a verdade aparece nas diversas investigações em andamento, nem mesmo os socialistas de Zapatero deixam de sair chamuscados.
...E a dúvida sobre o socialista
A suspeita é de que o governo de Zapatero não só conhece toda a cumplicidade espanhola com os crimes de guerra de Bush-Cheney, como somou-se à prática. Como assinalou "El País", também o atual presidente de governo tem explicações a dar ao Congresso e à Justiça. Nesse ponto, o partido de Aznar bota lenha na fogueira. Quer espalhar a lama, tentando diminuir a própria culpa.
Com os dois lados juntos na lama, compreende-se melhor a ambiguidade de Zapatero ao ser atropelado pelo reizinho na cúpula. Ele nega ter sabido do pacto, pois ignora até onde irão as investigações.
Mas Aznar, ao final do governo, chegou ao requinte de contratar empresa especializada em destruição de documentos - para dar fim à papelada que o compromete junto com o PP.
No último dia 2, um veemente editorial de "El País" condenou a cumplicidade do governo Aznar com Bush. Sob o título "Cúmplices da vergonha", o jornal assinalou que "nenhum alto dirigente do PP manifestou reservas sobre o traslado ilegal de pessoas para Guantánamo". Na edição online do jornal, dezenas de leitores aplaudiram com igual indignação.
É constrangedor também para o líder socialista. Aznar comprometeu ainda mais a Espanha nos meses seguintes, ao apoiar a aventura militar de Bush no Iraque - condenada esmagadoramente pelos espanhois.
a reunião dos Açores, às vésperas da guerra, foi selado o acordo secreto:
- cujos termos só se tornariam conhecidos, também graças a "El País", em setembro de 2007.
O que Aznar ainda esconde
O pretensioso Aznar agia às escondidas dos que o elegeram em 2000. Declarara com subserviência ao padrinho Bush: "Estamos mudando a política espanhola dos últimos 200 anos". Mas a 11 de março de 2004, às vésperas da eleição na qual considerava certa sua reeleição, 10 explosões terroristas que mataram 191 pessoas alertaram os espanhóis para os efeitos do que Aznar fazia secretamente.
Certo de que, se admitisse ter sido o atentado perpetrado por grupos islâmicos (devido ao papel cúmplice da Espanha na guerra de Bush), perderia a eleição, Aznar e seu governo mentiram ao país até o último momento. Atribuiram a autoria aos separatistas bascos da ETA. Após sucessivos protestos públicos exigindo a verdade, os eleitores deram a vitória aos socialistas de Zapatero.
Nos últimos anos, fora do governo, Aznar foi ainda mais para a direita. Passou até a rejeitar, como a direita bushista, a ameaça do aquecimento da terra. Mas tem sido largamente recompensado. O bushismo garantiu-lhe empregos na Universidade de Georgetown em Washington, no Conselho Diretor do império Murdoch de mídia, no conselho do Centaurus Capital (um "hedge fund") e muitas mordomias.
Na investigação do juiz Ismael Moreno sobre os vôos secretos dos torturadores da CIA foram arrolados agora oito cidadãos americanos - possivelmente espiões - que deram telefonemas de passagem pela Espanha. Hospedavam-se no luxuoso Royal Plaza de Ibiza, talvez descansando das penosas tarefas de espancar gente para arrancar informações. Bush não vai entregá-los. Talvez prefira condecorá-los como heróis.
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